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100Destino

Onde um destino sem destino procura um destino entre cem.

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A Árvore no Meu Quintal

Fevereiro 23, 2009

Às vezes passo por acaso pela frescura de uma sombra, pelo cinzento obscuro do pé de uma árvore e esta devolve-me a infância, traz-me as lembranças imberbes de outros tempos, de tempos alegres de viagens que se perderam nas fissuras da memória. É como se a passo e passo finalizássemos uma viagem sem no entanto termos alguma recordação de qualquer dos passos que a constituíram.

Lembro-me do alecrim na aragem e das amoras nas silvas, sinto na boca o agridoce do seu fruto e procuro esquecer o aguçado seus espinhos. Na frescura da sua sombra penso que era uma árvore de fruto que conversava comigo ou então não era uma conversa era uma canção ao vento e às histórias que voavam com ele. Voavam também comigo e faziam-me planar para outro lado e por cima da floresta de acácias do senhor Amílcar, não eram acácias eram eucaliptos de folhas cheirosas e que a minha avó dizia apontado o dedo para cima:

“ Fazem milagres...”

Milagres não sei, mas faziam chás e mezinhas, lembro-me de vê-los a abanarem rendidos ao vento, não sei se ao vento ou às diabruras das crianças que neles brincavam, e o senhor Amílcar:

“ Não me partam as pernadas.”

Apoiava o peito no grande da barriga e coçava a careca procurando cabelo por debaixo da boina, afinal não encontrava nada, nem cabelo nem uma ideia de como mandar os rapazes embora nem sequer um fio de coragem para o fazer:

“ Raio dos moços...”

Era ali que fugíamos pelos cerros, semeávamos as tempestades de mares longínquos e inventávamos os salitres da espuma dos recifes que nunca viramos, nunca viramos o mar, crianças tudo o que tínhamos era um cantinho de saltimbancos para correr e saltar e a imaginação que corria e saltava ainda mais que a gente. Entretanto a minha mãe:

“ Inácio, está na hora!”

Esfregava as mãos no avental, ainda me lembro das mãos da minha mãe, do cheiro ao enxofre da palma, das rugas do trabalho de quem vivia de fazer alcofas, dizia a brincar:

“ Inácio, no meio de tanto trabalho tiveste de nascer à pressa dentro de uma alcofa!”

E ria-se, o sorriso da minha mãe ainda cresce a felicidade dentro de mim, há tanto tempo que não o vejo, voltaria a nascer se fosse preciso onde não sei se nasci, no fim das contas não sei se ainda estou por nascer, ou então vivo à espera do momento em que me volte a sentir vivo, o momento em que lhe volte a sentir o abraço.

“ Não te chamo outra vez...”

E eu perdido nesta memória que já não sei se existe ou se gostava apenas que existisse, sei que gostava de lhe voltar a ouvir a palavra, de lhe voltar a ouvir as ameaças que eu sabia ser incapaz de cumprir, logo eu que gostava sempre de ficar mais um pouco:

“ Só mais um bocadinho mãe!”

E ela como o senhor Amílcar incapaz de me dizer que não e eu ali continuava inventando um baloiço na amendoeira do meu quintal até que o vento da tarde fizesse nevar as folhas da primavera enchendo o chão de branco e cor-de-rosa.

“ Só mais um bocadinho mãe.”

E por momentos sinto o carinho nas suas mãos enquanto empurra o baloiço que afinal existe enquanto o sol se esconde por trás do moinho velho, o moinho já não mói e eu a tentar estender o tempo, há sempre mais tempo quando somos crianças, há sempre a esperança que o amanhã nunca chegue, o ser tarde não existe, só existe o tempo dentro do tempo de brincar debaixo da árvore do meu quintal na companhia da minha mãe.

Felicidade

Fevereiro 16, 2009

Paramos perto da praia. A noite estava calma e quente. Era mais uma noite de verão. As ondas debatiam-se na areia cantando suavemente. O céu estava límpido, escuro, brilhante. As estrelas reluziam pontilhando o céu de pontos luminosos que se confundiam com as luzes dos pescadores no horizonte.

Decalçamos os sapatos e seguimos mergulhando os pés na areia fresca. Soltaste uma risadinha deliciosa. Sabia que estavas a adorar o ambiente. Eu e tu, o céu e o mar.

Deste-me a mão e começaste a correr. Corremos, corremos; até o cansaço e o riso nos tirarem o fôlego. Exaustos deixamos-se cair na margem. E ali ficamos horas. Horas e horas passaram. Os dois deitados de costas na areia húmida, olhando o céu. Nunca tinhamos partilhado um silêncio. Como é bom não precisar de dizer nada pois tudo é dito num olhar.

Não sabes quanto sonhei com este momento. Como passava as noites sonhando contigo. Sabendo que te iria amar como ninguém te amou antes. É um sentimento tão grande que não cabe em mim. Nunca me senti assim, como se a alegria me saísse por todos os poros tornando as lágrimas adocicadas.

Há muito que te conheci. Nunca esquecerei aquele Dia. Passaste por mim na rua. Nunca tinha visto nada tão belo. Quis desviar o olhar mas não foi possível. Olhaste para mim e viste o meu espanto. Os teus olhos reluzentes expressaram um “olá!” acompanhados por um sorriso divinal que me trespassou o coração. Deste então estou ligado a ti, para sempre.

Agora contigo nem acredito que sou feliz. Saber que contas comigo, que me amas faz-me sentir como o único homem na terra. Apenas nos dois existimos e este e o nosso jardim.

Aqui estamos os dois de mão dada a olhar o céu e contado estrelas cadentes. A cada uma que passa peço que este momento se repita eternamente. A cada uma peço que o ultimo desejo se realize. Quero que me ames.

O mar continua indo e vindo molhando-nos os pés. As vezes riste com as pequenas cócegas que este te faz de vez em quando. Apertas-me a mão. Sinto a tua pele aveludada e nunca mais a quero largar. Espero sentir-te sempre perto de mim.

Suavemente viras-te, olhas-me nos olhos e beijas-me. Um beijo carinhoso, leve e breve. Sinto-me no céu. Nada de melhor pode-me acontecer. Tenho tudo o que alguma vez sonhei.

Encostas levemente a tua cabeça no meu ombro. Abraças-me e dizes que me amas.

Agora sim tenho a certeza.

Tenho a certeza que este e o dia mais feliz da minha vida.

Na Sombra da Chuva

Fevereiro 05, 2009

Tudo na vida tem um fim. Não exactamente um principio, mas um fim. Vamos vivendo as nossas vidas onde tudo se esbate num cinzento inexplicável. Não sabemos como.

Emoções mescladas de indiferença confunde-nos de maneira a que a certo ponto deixamo-nos de importar com o que se passa a nossa volta. Nesse momento estamos a beira de naufragar. Bolinamos perdidos neste oceano cruel e melancólico. Não sabemos como tudo começou. O que nos leva, o que nos leva para a derrocada.

O sol deixa de brilhar. A escuridão dita o desgoverno do espirito. A dor aumenta deixando-nos inertes. Mentalmente comatosos, excepto a dor excruciante que nos alastra pelo peito, arrepia a espinha e faz qualquer som ressoar mil vezes no crânio, impossibilitando qualquer tipo de raciocínio.

Já houve um tempo em que fui feliz. Sinto isso. Não me lembro. As memórias fugazes escapam-se-me pelos dedos da angústia. Tornado o passado algo sombrio. Um sitio que não sei se quero voltar.

Florestas de pensamentos pululantes assolam-me de tempos a tempos. Não sei porquê. Pensamentos longos a que uns chamam sonhos. O que será um sonho? Será bom? Pois os que me assolam devem ter outra definição, pois aterrorizam-me. Aumentam a minha debilidade por saber que nunca terei força suficiente para realiza-los. A inércia causada pelo constante fracasso torna-se demasiado pesada para mim.

Ignoro-os.

Tudo isto trepassa-me a cada segundo da minha vida tornando-a insuportável. Por detrás de um sorriso amável. De um gesto complacente escondo o maremoto que me corrói por dentro. Nada nem ninguém irá alguma vez saber que conto as lagrimas que choro para dentro. Sim, choro para dentro.

A cada lagrima dou um nome. Lagrima numero um: saudade; lagrima numero dois: tristeza; lagrima numero três: depressão; lagrima numero quatro: amor; lagrima numero cinco...

Assim continuo até me deixar dormir pois é o único esconderijo que me resta. Durmo e espero não sonhar caso contrario mais vale não dormir. Porque volta o pânico, o pavor que me faz chorar pelos poros.

Acordo todo suado com a pele arrepiada e sabendo que a solução que procuro é um novo amor. Mas não me sinto capaz de voltar a amar.

O meu coração parou de bater. Limito-me a esperar pela morte. Ele já não bate porque eu não quero. É muito perigoso. Posso-me magoar mais ainda. Magoar outra pessoas. E para infeliz basto eu.

A vida é só uma soma de infortúnios aos quais temos de nos habituar e conseguir superar. É difícil... eu sei.

Por isso que ainda ando por aqui. Carregando este peso cada vez mais intolerável sem ninguém que nos dê uma ajuda pois cada um tem a sua própria carga a transportar o que por si só já é demais. Ninguém quer ajudar.

As pessoas já não são pessoas. São meros fantasmas. Espectros flutuantes que rodeiam o meu quotidiano assustador. Fugazes, longínquos.

E por isso que gosto quando chove. A agua fria faz-me lembrar que estou vivo. Olha-a nos olhos e ela fere-me na sua inocência natural. Lava-me a alma rejuvenescendo-a . Dá-me vontade de chorar, desta vez como toda a gente, chorar como uma criança. Chorar, chorar, chorar...

Apetece-me chorar por mim e pelo mundo inteiro. Desabafar, descarregar todo este negrume mental que me infesta sufocando-me. A chuva é minha amiga. É amiga de toda a gente. Quando desejo uma boa viagem a alguém não digo: “Vai pela sombra.”

Digo: “Vai pela sombra da chuva.” . Pois é o sitio mais seguro para se viajar.

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