O Mais Importante Feito da Criação 6/10
Junho 27, 2010
Finalmente tudo se recompôs. Tudo se resolveu num momento definível onde eu poderei finalmente concretizar a obra que me escapa. Terminarei a minha busca: fixar a Beleza, tocar o divino da alma, capturar a imagem íntima do espírito.
Em ângulo, pelo espelho, Flora encontra-se já encostada no cadeirão exibindo o seu olhar de fogo. O seu olhar maquiavélico.
“ Estarei a ver coisas?”
Formas, curvas cheias, pernas sobre o assento de um banco, púbis incandescente. Uma imagem que não é Flora.
Alucinação? O espelho reflecte. Mas reflecte o quê?
Este não é o reflexo de Flora. Unhas finas pingam um grosso fio de sangue no copo. Um sorriso que transparece o fino pontiagudo dos dentes.
Não vou conseguir.
Gotas escorrem-me pela face. Calor. A cada olhar o espelho reflecte uma onda de calor que me abrasa. Desconforto.
“ O que é isto?”
Sinto-me desfalecer. Uma náusea marítima tolhe-me a acção. A mão treme. A mão nunca tremeu.
Sinto que a imagem reflectida suga-me a força vital, prende-me os movimentos. Tem vontade própria. Não quer ser pintada. Segura-me a mão. Defende-se.
Olho outra vez incrédulo mas um chicote eléctrico atravessa o meu cérebro. Quase perco os sentidos.
“ Está tudo bem?”
Pergunta Flora inconsciente do meu estado. Não estou. Falta-me a força, falta-me acreditar.
Neste momento preferia que a musa que até agora era invisível, desaparecesse.
“ Preciso de te ver.”
Sigo lentamente na direcção do lençol e no momento que lhe toco a dor da promessa faz-me cair de joelhos.
Não sei se vou conseguir. Não sei se vou sobreviver.