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100Destino

Onde um destino sem destino procura um destino entre cem.

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Onde um destino sem destino procura um destino entre cem.

O Mais Importante Feito da Criação 10/10

Julho 25, 2010

 

O seu corpo revolta-se e retrocede. Agita as mãos no peito trespassado e consome-se em baforadas de fumo negro.

Flora empunhando uma estaca improvisada de um cavalete tinha perfurado a couraça inimiga no seu ponto mais sensível, salvando-me da morte certa.

Papeis, tintas, godés, tudo rodopia esvoaçando até encontrar o seu local de repouso.

E no meio da sala, imponente, segurando a estaca ensanguentada da vitória, Flora, vestida de nu, esplendorosa, parece pairar numa pequena nuvem de luz.

Eu disse que não te abandonaria.”

O seu sorriso parece parar o tempo. Suspende a agitação. Por momentos tudo parece desacelerar enquanto ela se dirige para mim.

Tudo roda lentamente, os objectos giram em espiral em torno do seu corpo, obedecendo à sua vontade.

As paredes explodem deixando-nos a sós com o universo. Cresce uma nova energia em mim. Flora brilha cada vez mais, incandescente, cada vez mais, ofuscante.

Sinto perder peso. À sua ordem sou levantado do chão. Subimos sem gravidade aos céus e num rodopio unimos-nos num abraço que nos funde.

Agora tudo se torna certo, perfeito. Superamos juntos a provação do Destino. Renasceremos numa entidade superior. Os sentidos sobrepõem-se, expoentes profundos da sua anterior existência.

E no cume final da união define-se o momento da criação na sua mais absoluta forma. Fecundada pela singularidade do prazer nascerá o maior e mais importante feito da Criação.

O nascimento de uma criança.

 

 

Fim

O Mais Importante Feito da Criação 9/10

Julho 18, 2010

 

Preciso lutar. Resistir a esta maligna condição. Mergulhar no abismo e ressurgir mais forte.

Levanto-me empunhando as armas da ressurreição e começo a pintar. Jorros de tinta gritam sobre a tela uma imagem que luta pela vida. Golpe atrás de golpe atacamos-nos com uma violência crescente.

Fogo, rasgos na pele, tormenta. Um vento frio atravessa a sala. Tudo se consome. Só o mais forte sobreviverá.

O espelho treme e racha. Folhas de papel voam pelo ar. A água nos copos treme e ferve. Pingo suores de sangue no calor da Criação.

A imagem borbulha desaforos e cresce o terror que me calcina as articulações e sem hesitar continuo a retratar não esta imagem do niilismo apocalíptico mas a profundidade escondida onde ainda habita a personalidade da Flora.

Gestos assassinos rasgam o tecido da realidade e perco-me envolvido num turbilhão espacial. Redemoinho no qual perco o sentido do peso mas sem fechar os olhos continuo a exorcizar os seus gestos benzendo a tela com uma imagem santa, com o reflexo da purificação da alma que este diabólico calculismo tanto deseja evitar.

Neste momento, aguilhoada pela vertigem iminente da derrota a imagem solta-se nas frestas, emerge da superfície do espelho, ganha forma material deste lado do universo e atira-se sobre mim.

Apanhado de surpresa caio de costas e sinto as suas rugosas mãos apertarem-me o pescoço. Tento me soltar mas a suas unhas cravam-se cada vez mais fundo na minha garganta. Falta-me o ar. Pingam gotas de saliva venenosa da sua língua serpenteante. Tudo arde em mim. Sinto-me desfalecer.

No derradeiro momento abro os olhos para ver pela última vez a face da morte.

Os seus olhos vazios, de repente um espasmo.

No meu pescoço sinto as suas mãos perderem a força.

O Mais Importante Feito da Criação 8/10

Julho 11, 2010

 

O que mais me resta neste infinito translúcido que me afecta o discernimento? Aqui fico sozinho tentando descortinar o inexplicável. Exorcizar este demónio que entretanto se materializou à minha frente. Esta entidade que me assusta e que no pico da angústia me cancela a reacção impedindo-me de fugir da medonha face da ilusão.

Não consigo pintar. Olho mas no reflexo vejo uma nova forma de ti.”

Um corpo lavrado em chamas, seios de aço, um ventre coriáceo de réptil, púbis de pelos medusiacos, olhos desorbitados que me vigiam os movimentos.

Tudo mudou. Tudo muda a cada passo, gesto, a cada olhar. Metamorfose infernal que se materializa em substâncias execráveis.

A menina, a senhora, a musa; tudo se perdeu sob o escrutínio do meu olhar alucinado.

Olha mais fundo. Eu sou mais do que os teus olhos querem ver.”

Fecho os olhos escondendo-me do medo. Não consigo pintar. As formas mudam constantemente. A luz diverge nos seus constituintes para de seguida retornar à origem. Tudo muda e se revolve sem parar. Tudo se transforma diluindo o rasto da realidade.

Um cheiro a morte, uma morte antiga cujo miasma veio agora à superfície.

Tudo o que me resta é lutar.

Não consigo.”

Surge então uma força. Uma energia escondida. Algo que estava perdido dentro de mim diz-me que talvez seja possível atingir a fera. Se me concentrar na tangencia da realidade alucinada e tentar perceber o que afinal trespassa, ressurge e emerge invisível aos sentidos primários mas que não escapa à maior sensibilidade do ultra sentido, do sexto sentido, à força nuclear da Alma.

Tu conseguires é a nossa última esperança.”

O Mais Importante Feito da Criação 7/10

Julho 04, 2010

 

Falta-me a força. Sinto o peso do medo. Algo puxa-me para baixo. Ouço uma voz dentro de mim a pedir-me para desistir. Para deixar-me levar.

Volto à tela. Volto à prancheta das cores. Tenho de continuar mas tenho medo de voltar a encontrar o Horror. Não olho para o espelho Ela ainda pode estar lá.

Tenho de conseguir.”

Seguro o pincel a medo e tento pintar de memória.

Impossível.

Perdi a imagem. Algures perdi a recordação. Não consigo me lembrar de Flora, dos seus gestos, da sua forma de estar, do seu sorriso. A sua voz perdeu-se nas fendas da alucinação.

Procuro aflito o que resta de Flora dentro de mim e não sobrou nada. Tenho de voltar a olhar. Angustiado olho.

E no reflexo prateado do espelho surge não a imagem da sedução diabólica mas o medo do terrível, do obscuro: a fealdade da morte.

Olhos fundos de negro, vazios. A pele ressequida de uma morte prematura. Músculos, tendões, nervos. Podridão à flor da pele.

Acredita em mim.”

A voz surge mas não me afecta. A dor continua o seu percurso feroz pelas múltiplas fibras do meu espírito.

Tenho de continuar desolhando a boca gutural que me chama para o obliviamento.

Porque me abandonaste?”

Estou aqui contigo. Não te vou abandonar.”

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