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100Destino

Onde um destino sem destino procura um destino entre cem.

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Onde um destino sem destino procura um destino entre cem.

Esquecimento

Agosto 29, 2010

 

Olho dentro da maré revolta da memória e assisto à deformação recorrente das imagens que a permeiam. Sinto-lhe um desfasamento constante. Uma transformação permanente que nunca acaba. Umas imagens misturam-se com outras e as contamina com um novo sentido. Sinto que nestes momentos perco a noção do que vivi e do que a minha mente pensa que eu vivi. Já não sei a diferença entre a realidade objectiva e a realidade que a minha memória inventou para mim. Imagino um fosso escuro onde tudo se perde. Onde tudo se distorce desinformando-me da realidade.

Procuro dentro de mim quem eu sou. Mas quem eu sou já não existe. A constante deformação daquilo que hoje entendo como memória deixa comigo a incerteza de tudo. Não sei se existo ou se apenas penso que existo. Não sei até que ponto não passo de uma fragmento da memória solto nas trincheiras do pensamento ou se de facto tenho algum tipo de expressão física. Afinal tudo o que é físico é uma expressão da mente.

No fundo tenho medo de me desfazer em pensamentos e aos poucos perder a cor, de tempos em tempos perder o tom, esquecer a textura do meu ser e somando os momentos perdidos finalmente acabar por sublimação num ponto minúsculo e implodir no esquecimento.

Escuto

Agosto 22, 2010

 

Escuto na noite

as curvas do teu corpo

Escuto na madrugada

os delírios insidiosos do tempo

Escuto na manha

a raiz de fogo que incendiará o beijo

Escuto na tarde

os lábios que me chamam com palavras invisíveis

E escuto silencioso

a luz secreta do teu olhar.

Fenecem as tardes de encontro ao agosto dos dias.

Agosto 15, 2010

 

      Sobranceiros são os gestos na penumbra. São meros dias que se desvanecem nas longas noites de verão. Esqueço o tempo mortiço que pinga nas clepsidras arenosas sobre o magenta solar que me encobre.

      A principio penso que não vejo. Cores, luz, invisível o clangor do por-do-sol embatendo no horizonte. Maré entre maré, subindo e descendo a encosta de lágrimas espumosas do passado. Magoas como lismos, tudo a pouco e pouco se transforma permanecendo entretanto num antigo e obscuro solário da memória.

      Nunca o fim chega ao fim. Esta dor constante que nunca se afasta, esmorece ou termina. Fica apenas ali, indiferente a mim, umas vezes ao longe, outras vezes mais ao perto sem nunca desaparecer por completo.

      Saudade, talvez... saudade de um tempo que não aconteceu. Saudade de algo que poderia ter acontecido, um misterioso acaso que torna-se tudo diferente, melhor. Como se fosse algo que apesar de não ter acontecido gostaria que se repetisse.

      Só que tal coisa nunca aconteceu. Ficou ali, de lado, com o dedo no ar, à espera da sua vez, paciente, cheia de esperança; e a vida desconcertada, com medo de não saber o que fazer com alegria, olhando para o lado, desentendida, esquecendo pouco a pouco, fazendo que não era nada com ela, mudando de assunto, atravessando a rua para evitar o encontro.

      E assim se perde o sentido à vida, a oportunidade da realização, o rumo que nos levaria à felicidade.

Mágoa

Agosto 08, 2010

 

     Sempre existiu esta mágoa. Este não sei quê de insatisfação. Uma pequena dor, longínqua, perdida lá no fundo, um eco que mal se ouve, reverbera pelas fibras do ser quase sem se ouvir, quase quase sem se notar, interminavelmente.

     Passo as noites tentando adormecer sobre esta ténue angustia que habita em mim. Há dias que não consigo, há noites que luto contra a elevação da pálpebras, finjo investigar as tonalidades de escuridão: preto, negro, breu; tudo serve para tentar entorpecer esta sagacidade do espírito. Mas nada funciona, tudo atrapalha.

     Uma dobra no lençol, a posição da almofada. Hoje está dura, amanhã estará mole, vento nas frinchas, agua que pinga algures, gemem os espíritos da mobília sobre o alastrar do calor. Fico alerta contando os segundos e os olhos cansados não se fecham, não descansam, permanecem nesta vigília tectónica pelo interior da alma.

     Passo a noite vestindo o escuro tentando diluir-me, misturar-me com as fibras da realidade para que talvez conseguia me perder nas dobras do sonho, percorrer os seus vales, dunas, encostas paliativas e momentos de frescura sem dor.

     Às vezes duvido. Duvido de mim, dos outros, das minhas ideias, percepções. Nada faz sentido. Não encontro um único propósito em que me consiga concentrar.

     Sinto que me falta algo. Um sentimento, uma sensação, um gesto, um cheiro, talvez um toque, um beijo em lábios desconhecidos, uma usurpação do corpo que deixasse o espírito dormente. Entorpecido por um êxtase profundo.

     Talvez seja isso. A procura incessante de quebrar barreiras impostas pela realidade, revalidar os votos da satisfação e ultrapassar os limites do prazer, desfazer as costuras deste corpete avassalador que nos domina e abraçar-mos todas as possibilidades do viver supremo.

     Fico pensando nesta dor mínima, lá longe num recanto escondido, mas de vez em quando dando de si, mostrando-se, dizendo: não te esqueças de mim, estou aqui contigo não te irei abandonar, crescerei a cada desejo que eliminaste, cada gesto interdito, cada palavra que evitaste. Serei cada vez maior, gigante, mais e mais e procurarei outros espaços da alma, multiplicarei-me em formas e funções até que a tua vida se torne insuportável.

     Não esqueço esta dor que me acompanha. Esta insatisfação que nunca acaba, estes momentos de introspecção melancólica que tanto me definem os passos. Assustam-me o sono para longe até que por fim a madrugada chegue com a frescura invernal de um outro dia, outra possibilidade.

     Talvez, quem sabe, outra hipotese de ser feliz.

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