32. Quem serão os pombos? O que quer isto tudo dizer? A metafísica escapa-me. Como
escapa muitas das afinidades que os comuns tomam por concreto. Fico sem
perceber como o conseguem.

31. Pergunto-me a mim mesmo se não serei eu a estátua de cobre a quem passo as
horas a fazer companhia. A chuva miudinha banha o verde cáustico, excrementado
pelos pombos ficcionais que eu próprio alimento.

30. Pergunto o que é que a estátua que faz ali. Sentada de mão na cabeça olhando o
fundo da rua. E ela não me responde. Quem fala não sabe. Quem sabe não fala.
Desconfio sempre das pessoas que não falam. Ficam ali macambúzias analisando as
idiotices alheias. Perdidos no seu próprio pensamento como se mais ninguém
existisse.

29. Não sei se existo nesta carcaça inerte. Olho o passar do tempo, jogando pedacinhos
de pão aos pombinhos neste quadro. Todos os segundos ficam na memória como
páginas dependuradas num universo fictício. Cada folha passa com a sua aresta nos
meus pulsos fazendo sangrar uma emoção diferente.

28. Aqui conheci a sónia, linda, meiga. Não se importava com os mundos dentro do
meu mundo. Perdia-se comigo nos universos paralelos. Acompanhava-me nos
estertores de fantasia em que a minha mente se dissipa. Nunca sabíamos realmente
em que fase da realidade a nossa entidade afinal existe. Sónia só queria estar
comigo. Falávamos de livros, poesia, cantávamos músicas antigas, riamos. Agora
parece que vivo mergulhado neste oceano de saudade.

27. Perto da estátua há uma rotunda de calçada com bancos de jardim. Passo ali horas.
Talvez dias a olhar a passagem das pessoas, carros, a estátua a envelhecer.
Pergunto-me até que ponto não estarei a sonhar?

26. Trouxe comigo pedacinhos de pão para domesticar os pombos da avenida.
Arrulham assim que me vêm no seu andar inseguro. Reconhecem-me. Sinto-me
como se fosse um deles. Como pedacinhos de pão às picadas atento aos passos dos
transeuntes.

25. De manhã, saio à rua sem saber para onde vou. Tenho de me afastar destes
fantasmas. A madrugada sombria persegue-me por todo o lado e sinto uma
presença comigo. Alguém que não me abandona. Uma entidade que não me deixa
ficar sozinho.

24. Sónia segue as minhas lágrimas enquanto estas se perdem no gasoso do ar. Sinto-
me infeliz quando não te encontro. Preciso de me lembrar, recordar o caminho de
como ser feliz.

23. Às vezes penso que estou a dormir. Às vezes vejo-te chegar ao longe na penumbra.
Uma imagem disforme a aproximar-se. Estende uma mão onde os dedos se
misturam numa nuvem de cinzentos. Estendo a minha também à procura de um
caminho para encontrar os teus dedos.