O Cadeirão e Eu
Outubro 28, 2008
Começo o serão procurando o lugar ideal para me sentar. É sempre o mesmo, está sempre no mesmo sitio, mas eu faço questão de passar algum tempo desconhecendo a sua localização e continuo a procurá-lo. Continuo a investigar os cantos onde eu sei que não se encontra. É a minha busca, é o que me distrai, é um ritual que tenho refinado ao longo dos anos. Meticulosamente obscuro o seu local verdadeiro para que mais tarde possa fingir a surpresa por encontrá-lo ali, no sitio onde sempre esteve. Intocado.
Agora sinto o passar dos dias como um deserto que tenho de atravessar para poder chegar ao conforto do oásis de verga no fim do dia. Sinto que apenas aquele cadeirão me compreende. Aprendeu com o passar dos anos a enformar-se em mim. Conformado ainda range com o desfalecer do meu peso sobre o seu assento, mas continua a me receber como a um velho amigo.
Já temos os nossos anos. Sabemos tudo um do outro. Dividimos as dores do corpo e as dores da alma, vivendo-as tanto quanto as nossas. Temos os nossos momentos de solidão mas usamos o apoio que só um tem para dar ao outro. Às vezes penso em não me sentar para lhe aliviar as juntas. Mas sinto que isso lhe faz falta. Sinto que sem mim a lhe definir o sentido de existir deixa de ter razão de ser e cairia no esquecimento.
No entanto existe e completa a imagem de nós os dois juntos. O velho cadeirão e eu. Baloiçando para trás e para diante, suavemente, pela noite dentro, evitando a madrugada; para que outro dia não chegue ou para que passe depressa e possamos novamente enxaguar as lágrimas da saudade.
Ai nesse momento volto a fingir que não o vejo. Que o procuro onde sei que não o vou encontrar. Quase que oiço o seu lamento juvenil a dizer: “ Estou aqui!”; finjo que não oiço e continuo a procurá-lo como se já não soubesse onde ele está. Crio a espectativa para logo de seguida voltar a afastar-me. Sinto falta dele e ele sente falta de mim. Até que por fim finjo a surpresa do reencontro e delicadamente sento-me e reencosto-me na suavidade do seu conforto e mais uma vez as juntas suspiram de satisfação.