O Mais Importante Feito da Criação 1/10
Maio 23, 2010
Passo a noite preso nos fétidos subúrbios da criação. Infeliz castigo que o destino me reservou. A Ideia foge-me gota a gota por entre os dedos semicerrados.
Sozinho procuro a origem da forma. O ténue sentido da claridade que me iluminará o caminho.
Será a realidade apenas um corte transversal através de múltiplas superfícies de contraste?
Solto selvagens gritos de tinta. Atinjo o branco da tela com o metálico chicote da cor e inconsequente apenas produzo perspectivas inúteis.
Passam minutos sobre minutos onde vivo várias mortes à procura do rasto indelével da Beleza. O seu peso afunda-me na ingratidão da Obra.
Esbracejo pincéis, voam espátulas vingativas no pico agreste da incompetência. Nasço e renasço nesta vil tortura e morro estéril na insensata busca pela Perfeição.
Mergulho no escuro liquido do Processo e navego em apneia na vã esperança de um dia conseguir ver a luz.
Órfão de sensações, a cor já não existe e o cheiro à muito que se tornou uma memória perdida num marasmo de incertezas, uma aflição sob a pele que não consigo expurgar de mim.
Preciso da milagrosa panaceia da epifania. Embriagar-me nos seus espectros, cambiantes, sombras reveladoras, profundidades; como gota sapiente que pudesse dar sentido a esta busca.
É um pesadelo insone este que me persegue mas dormirei apenas na solene madrugada da vitória, no derradeiro momento da feliz concretização que até agora me tem escapado.
Entretanto aqui fico. Submerso no diabólico percurso pelos múltiplos fios do nó górdio à procura da escondida face da beleza, do rosto supremo da plenitude, da razão de ser da arte que apesar de escondida me domina.
E no súbito toque da campainha surge o inesperado esplendor do outro lado da porta agora aberta.
Flora sem o saber chegou.